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sexta-feira, 20 de maio de 2011

"Apenas um breve desabafo"


     Person at the window, de Salvador Dali


Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)

Marina Colasanti
 nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.

Pois é, a gente se acostuma, a sofrer calado, a esperar sem ser esperado, a fazer o bolo de chocolate e comer sozinha com leite gelado, a comprar o presentinho pro netinho sem saber se ele vai  gostar ou não, pois já não sabe mais quais suas preferências. 
A gente se acostuma, mas a gente se pergunta: "e se meus filhos adoecerem e vierem a partir? Será que nos avisaram?...Será que terão discernimento para nos comunicarem? Será que se lembraram que um dia também concebi, também fui e sou mãe??? E como mãe errei pensando estar acertando???
Quando o ser humano terá a capacidade de perdoar os erros cometidos e pensar que a vida é tão breve que passa num piscar de  olhos.
A gente se acostuma a "
   a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir."
Assim tem sido meus dias, tentando me acostumar à crueldade que estão fazendo comigo. E assim tento, mas creio não estar conseguindo. Minhas forças estão chegando no limite...mas vou seguindo, crendo, confiando, caminhando, cada dia, um dia, cada segundo, um segundo...vou levando. Caiu, levanto...sigo.
Mas para onde???
Não me acostumo... eu sei mas não devia!!!






Beijos meus. luz, amor, paz, fé e esperança???



6 comentários:

Adriana disse...

Ô, querida amiga! O que está te maltratando? A espera da visita de alguém querido?... Não se acostume, corra atrás. Seja feliz!!!
Esse poema declamamos numa reunião de pais do colégio onde trabalho, LINDO!!!

BJUUUUSSSS

Sabrina disse...

Amada, querida...

Como as coisas são, eu estou na contramão dos seus sentimentos, cansei de ir na casa da minha mãe e não receber dela um bem vinda, eu estava com saudades...

Já é o segundo ano seguido que ela não vem ao aniversário do pequeno.
Ela tem se afastado de mim sem razão aparente, eu chorava muito, depois me acostumei e pensei, será que quando tiver meu filho ela mudará... não continua igual.

Eu cansei de esperar pelas visitas dos meus pais, já ouvi meu filho de 5 anos perguntar se a vovó esqueceu dele...

Meu pai desde dezembro quando se aposentou disse que viria na minha casa que fica há 15 minutos da casa deles, que eu enjoaria de tanto que ele viria aqui, mas...não veio.

Aprendi a não ir sempre, a esperar por ocasiões especiais, assim não sofro, nem fico aflita na expectativa que no sábado com o bolinho pronto em cima da mesa, meu interfone vai tocar e eles estarão a minha porta dizendo que estavam com saudades...

Quem sabe um dia...aprendi a duras penas, separar meu coração da razão, e não esperar mais, fazer novos passeios e novos amigos e acabar com minha espera no fim de semana.

Bjs de luz minha linda, que você consiga fazer novos programas, novos amigos...e também não esperar mais...a gente cansa.

www.maniadesabrina.blogspot.com

Lucinha disse...

Rô,

Eu entendi o que você quis dizer com isso tudo, mas vou fazer como você, que desabafou sem citar nomes ou situações.
Apesar de nunca ter lhe visto, ter lhe dado um abraço, sinto uma profunda amizade por você. Coisas do coração.
Amiga, faça como você mesma escreveu; não se acostume com isso, lute para que essa situação mude, como você tem feito.
Se está nas mãos de Deus, ele tudo vê e vai lhe dar a vitória. Eu creio.
Rô, eu estou há mais de 12000 km, de minha família, mas eles estão muito presentes na minha vida. Estou feliz aqui, mas não quero me acostumar com isso. Quero sentir o abraço deles, passear com eles, fazer comida, rir, chorar etc.
Sinta-se abraçada.

Taia Assunção disse...

Ôh minha querida, doeu em mim. Temo que minha relação com o menino do meio fique assim distante. Sinto, apenas sinto. Apesar dele ser um doce de menino e super carinhoso, sou eu quem tenho que despertar isso nele e por enquanto não me falta vontade de fazê-lo. Minha mãe passa por isso com minha irmã do meio, engraçado, saímos todas do mesmo ventre, recebemos a mesma parcela de carinho, cuidados e educação e no entanto somos tão diferentes. Moro longe, como bem sabes. Mas ligo todos os finais de semana para minha mãe e no mínimo a vejo uma vez ao ano, quando dá, duas. Meu marido também tem o mesmo cuidado com os pais e acho isso tão lindo. É o que tentamos passar para os nossos filhos, mas se alguma coisa der errado lá na frente, não teremos as respostas. Porque cada um é cada um. Acho que não dá para se acostumar com isso, mas olhe ao seu lado e certamente encontrará a quem se doar. Beijocas, beijocas, beijocas. Obs.: Não sabia que a Marina é etíope. O livro que estou lendo é descrito boa parte nesse país, posso quase sentir a história. Passada cinco décadas, a África que eu conheço é exatamente igual a descrita no livro. Cuide-se!

Maria Luiza disse...

Rosane, querida amiga, gostaria tanto de poder tirar esse espinho de sua carne, mas só posso lhe dizer: lute sim pelos seus direitos de avó, eles não vieram, vá você, dê o primeiro passo. Dói sim na gente que é mãe e eu compreendo muito a sua dor.Torço muito por você rezo também para que tudo acabe bem! Ótima semana, com garra força e poder! Bjbjbj!

Anônimo disse...

Olá Rô! Me acostumei a ler seus posts e adoro tudo que nos traz!É tão interessante o mundo virtual, a gente sente as pessoas tão pertinho do coração da gente!!
E por essa razão minha Querida, quero dizer que entendo tua dor...dói sim!!! E muito, mas aprendi que a expectativa é que nos faz sofrer, ela é que maltrata nosso coração, e faz com que alimentemos uma dor que só vai prejudicar nossa saúde dia a dia!
Uma vez ouvi a Fernanda Montenegro dizer: "Os Filhos vão, e um dia Eles voltam".
É verdade, eles sempre voltam minha Querida!Mesmo que voltem da forma que eles estão preparados, na maturidade espiritual e emocional que lhes cabem...e isto é que precisamos compreender e aceitar, mesmo que nos doa e machuque. Cada um na Família tem sua forma de demonstrar o Amor que lhes devotamos( e existe sim!!!Sabemos como os formamos e educamos!)e a Nós,cabe recebê-los com o coração sempre aberto, mesmo que esteja em chagas, mas com aquele Amor que só Dus pode entender!
Cada fase na vida da gente é uma etapa a ser compreendida,é difícil, mas é necessário, só assim evoluímos e aprendemos a viver a delicada trama da vida. Cada um tem seu quinhão a vencer, mas é só com Amor, muito despojar de si mesmo e com um aliado muito sábio: o tempo. Ele nos mostra sempre que é na Fé e Confiança em Deus que percebemos que tudo passa e o que deixamos ou fizemos, sempre vai prevalecer.
Espero que tenha deixado um pouco de Luz no seu coração e agradeço por compartilhar teu sentimento aqui!Beijinho,